Bienal do Livro de São Paulo volta ao formato presencial e homenageia literatura portuguesa
O evento que começou no último sábado (2) traz comitiva de 21 escritores e dois chefs de cozinha lusitanos.
Réplica do famoso bondinho de Lisboa na 16ª Bienal Internacional do Livro de São PauloMaria Isabel Oliveira / Agência O GLOBO
Até o próximo domingo, dia 10, quem quiser degustar um legítimo pastel de nata ou comprar livros de autores portugueses inéditos por aqui não precisará atravessar o Atlântico. É só visitar a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, inaugurada neste sábado (2) no Expo Center Norte. Os lusos ocupam um estante de 500m², que inclui auditório, livraria com três mil títulos à venda e réplica do famoso bondinho lisboeta. Uma comitiva de 21 escritores (como Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Matilde Campilho e outros) e dois chefs de cozinha (Vitor Sobral e André Magalhães) foi convocada para representar o país. A homenagem a Portugal foi motivada pelas celebrações do bicentenário da Independência do Brasil.
Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), que realiza a festa em parceria com a RX, Vitor Tavares afirma que esta é a “Bienal da virada”. Com o lema “Todo mundo sai melhor do que entrou”, o evento volta a acontecer presencialmente após quatro anos — a edição de 2020 foi cancelada devido à pandemia. Até domingo, o Expo Center Norte estará ocupado por 182 expositores. As 1.300 horas de programação ocorrem em nove espaços, como Arena Cultural Pólen e Cozinhando com Palavras. Confirmaram presença 300 autores brasileiros e 30 estrangeiros.
A comitiva convocada pela curadora, a jornalista Isabel Lucas, retrata a diversidade da literatura contemporânea em língua portuguesa. Alguns nasceram nas antigas colônias lusas, como o angolano Kalaf Epalanga, o timorense Luís Cardoso e a moçambicana Paulina Chiziane. Os 21 escritores convidados têm livros sendo publicados no Brasil este ano e vão conversar com autores brasileiros como Itamar Vieira Junior, Daniel Munduruku e Adriana Calcanhotto sobre temas diversos: os intelectuais e a crise, Saramago e até o que cerveja e literatura têm a ver.
— São escritores que têm abordagens diferentes do que os brasileiros chamam de “lugar de fala” e mostram que é possível sairmos de nossas bolhas e conversarmos sem rejeitarmos o que é diferente.
Parentes próximos
Membro da comitiva, Francisco José Viegas frequenta o Brasil desde os anos 1980. Ex-secretário da Cultura de Portugal e editor da Quetzal, publicou vários brasileiros por lá, como Arthur Dapieve e Lourenço Mutarelli. Ele afirma que Brasil e Portugal só têm a ganhar “se juntarem suas maiores competências: a diversidade de um e a antiguidade do outro”.
— Em seus melhores momentos, o Brasil está sempre a viver a Semana de Arte Moderna, devorando tudo, como um bom antropófago. Já Portugal é um parente próximo, não sei se irmão ou primo, que fala a mesma língua, mas tem mais idade e outra aprendizagem — diz Viegas, que vai discutir literatura e gastronomia na Bienal com André Magalhães e lançar seu novo romance policial, "A luz de Pequim".
Até o fim deste ano, 68 títulos de Portugal serão editados por 22 editoras brasileiras. A editora Bárbara Bulhosa, da Tinta-da-China, que opera lá e cá, lamenta que seus conterrâneos conheçam mal a literatura daqui. O problema, diz ela, não é só “semântico, sintático ou vocabular”, mas também político: as escolas portuguesas ignoram a literatura brasileira. No entanto, ela suspeita que o crescimento da comunidade brasileira em Portugal ajudaria a popularizar nossa cultura para além das novelas e da MPB. A internet, também: as vendas de “Depois a louca eu sou”, de Tati Bernardi, explodiram com a popularidade dos podcasts da escritora por lá.
— Iniciativas como a da Bienal devem acontecer do outro lado. Ganharíamos muito se Portugal recebesse uma comitiva de escritores brasileiros — diz Bulhosa.
Confira alguns nomes da comitiva portuguesa:
Maria Inês Almeida
Jornalista que abandonou as notícias para escrever livros infantojuvenis, Maria Inês Almeida vem à Bienal lançar, na segunda-feira, “Carta aos líderes do mundo”, coescrito com Flávia Lins e Silva (da série “Detetives do prédio azul”), ilustrado por Fábio L. Miraglia, pela editora Telos. A tal carta é escrita por Sofia, menina de 12 anos que exorta os poderosos a socorrer o planeta. Maria Inês também é autora da série “Diário de uma garota como você”, que já tem oito volumes editados no Brasil, todos pela Telos. Os livros acompanham as aventuras de Francisca, garota às vésperas da adolescência que começa um diário escrito à mão para espantar o tédio.
Rui Tavares
O historiador Rui Tavares é mais conhecido pelo público brasileiro por apresentar o podcast “Agora, agora e mais agora”, que passa em revista mais de mil anos de História para colocar em perspectiva os dilemas do presente. Tavares é deputado na Assembleia da República e fundador do partido Livre, da esquerda verde. Pela Tinta-da-China, está lançando “O pequeno livro do grande terramoto”, no qual descreve como o violento tremor de terra que destruiu Lisboa em 1755 repercutiu entre a intelectualidade europeia. No dia 9, conversa com Silvio Almeida sobre o papel do intelectual em tempos bicudos. No dia seguinte, lança seu livro na Travessa, em Pinheiros.
Filipe Melo
Pianista, cineasta e autor de “banda desenhada” (histórias em quadrinhos, em português lusitano), Filipe Melo participa de suas mesas na Bienal. No dia 8, ele lança a graphic novel “Balada para Sophie” (Pipoca&Nanquim), parceria com o desenhista argentino Juan Cavia, que narra a vida de um pianista misantropo e tem como pano de fundo a história europeia do século XX. No dia seguinte, Melo conversa com a cartunista Laerte. Melo é autor de outras histórias em quadrinhos com Cavia, como “Os vampiros” e “Comer/Beber”. Como músico, ele já colaborou com artistas portugueses como António Zambujo, Sérgio Godinho e Ana Bacalhau.
Teolinda Gersão
Aos 82 anos, Teolinda Gersão é uma das mais premiadas escritoras portuguesas. Contista e romancista, viveu alguns anos em São Paulo e acaba de lançar, no Brasil, “O regresso de Júlia Mann a Paraty” (Oficina Raquel), no qual transforma em personagens Sigmund Freud, Thomas Mann e sua mãe, Júlia, nascida na cidade histórica. Por aqui, também já publicou “A cidade de Ulisses”, romance que explora uma lenda que afirma que Lisboa teria sido fundada pelo herói da “Odisseia”, e a antologia de contos “Alice e outras mulheres”. Na Bienal, conversa com o imortal da ABL Antônio Torres do dia 7 e depois segue para o Rio, onde fará palestras em UFRJ, UFF e Uerj.
Destaques da 26ª Bienal Internacional de São Paulo
> O que ver: A programação completa está disponível no site https://www.bienaldolivrosp.com.br/.
> Quanto custa: Os ingressos custam R$ 15 (meia) e R$ 30 e podem ser comprados no site. Menores de 12 anos e maiores de 60 anos não pagam. São esperados 600 mil visitantes.
> Onde: No Expo Center Norte (Rua José Bernardo Pinto 333, Vila Guilherme). Haverá ônibus gratuitos para a Bienal saindo da estação Portuguesa-Tietê do metrô.
> Para ver: Além de uma exposição em homenagem a José Saramago, haverá mostras sobre o Prêmio Camões e o turismo em Portugal no estande lusitano.
> Para comer: O espaço Cozinhando com Palavras homenageará autores e as culinárias de Brasil e Portugal e apresentará até um livro comestível, inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, com páginas que são feitas de arroz.
> Alteridade: Hoje, às 11h, o romancista português Valter Hugo Mãe, o escritor indígena Daniel Muduruku e a antropóloga Lilia Schwarcz participam da mesa “Falamos de quem quando falamos do outro?”.
> Rir com sotaque: No dia 3, às 17h, Antonio Prata e Ricardo Araújo Pereira falam sobre o humor em língua portuguesa.
> Para vigorar: No dia 8, às 11h30, o ex-BBB Gil do Vigor fala sobre sua trajetória.
> Golaço: Também no dia 8, às 17h45, o técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, apresenta seu livro “Cabeça fria, coração quente”.
> Profissão repórter: No dia 9, às 13h, a colunista do GLOBO Míriam Leitão, a correspondente da TV GLOBO na Itália Ilze Scamparini e a escritora Daniela Arbex discutem o jornalismo brasileiro.
> Não só para baixinhos: Xuxa Meneghel fala sobre seus livros infantis no dia 10, às 14h30.
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